Conheci Garcia em uma caminhada no parque. Ele era vendedor de água de coco. Alto, forte, cabelos escuros e a barba feita.
Usava uma camisa bege manchada. "Não deixe a casca do coco encostar em sua roupa, menina, porque mancha".
Nascera
Ele pediu desculpa "o freezer quebrou, mas o técnico ainda não veio". Garcia amansava a voz para falar seus problemas.
Era um incompreendido, "o médico disse que eu não posso comer doce". Tinha a barriga saliente e as mãos querendo engordar. "O que eu faço sem bolo de maracujá?"
Garcia era vendedor de coco e, à noite, transformista. "Não sou só vendedor, tenho trabalhos noturnos". Ninguém nunca tinha desconfiado. Nem a esposa, nem os dois filhos. "Mulher lá entende quando a gente gosta de batom e porra na boca?"
Pegou o isqueiro. "Se eu juntasse o que gasto com isso seria milionário". Não gostava de cigarro barato nem comia alface fora de casa.
Vício por vício jogava dominó com os aposentados do parque. "A idade deixa os homens menos sóbrios". Ri. "Vez ou outra um velhinho solta uma frase de escrever nas costas".
Garcia se apaixonou por uma porta estandarte na quarta-feira de cinzas e fugiu com ela para Ilha Grande. "Depois conheci meu almirante da Marinha". Comeram-se em Búzios, na frente de uma boate com néon. "Aí a Adélia tava grávida e eu voltei".
Ele está pensando em largar o negócio do coco. "Essas raquetes elétricas que matam mosquito estão dando um dinheirão". Guardava um pouco de fé para jogar na loteria.
"O sol tá tão forte que a gente não enxerga". Ironia de Garcia que tudo via. Tinha os olhos enormes e palpitantes, com um colorido apastelado. Duas córneas de confete guardando o carnaval.
2 comentários:
Eu usei bastante as raquetes em Ilha Grande. Bom texto, me levou até o final.
Doutor Yuri, como assim seu post sumiu antes que pudesse comentá-lo? O Gugu tentou te processar?
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