terça-feira, 25 de setembro de 2007

uma leve.

O tempo foi passando, passando, passando...
De tanto passar, amarrotou as faces antes pêssego da dançarina.
Ela ali agora, parada na frente do espelho, era um completo clichê.
Ou um quadro de Toulouse Lautrec.
Isso depende menos dela, a responsabilidade é do tanto de doce nos pontos de vista.
E então, ela pensou que enquanto pensava no adocicar dos pontos, o tempo continuava passando, e passando e passando...
Povo diz que tempo, insubmisso, não faz sentido pra ninguém. De malandro, acelera e freia com os pedais trocados.
Dançarina sabia de ouvir falar.
Na vida toda lhe disseram da sofrível velhice. Aquela tal que vinha aos poucos, no soprar de cada vela, despercebida e dissimulada. Velhice um dia explodiria vela e bolo e tudo nas suas faces pêssego, lhe sujaria de glacê o penteado.
Foi avisada antes do que acontecia justamente agora, a dançarina.
Ouviu também que mulheres diferentes como ela choram na velhice todos os risos joviais que as mães não puderam rir na vida.
Netos fazem mais falta que filhos, falaram.
Dançarina teve medo, agora, ali emoldurada no espelho, ao som quase remoto das memórias.
Mas dançarina não era disso, era mulher diferente. Resolveu então que do som dela, e da moldura dela, era ela quem cuidava. Lautrec que perdoasse. Quanto aos outros, se não parassem já, ela simplesmente deixaria de ouvir, taparia os ouvidos, pronto.
Tinha um plano, ia esperar pelo tempo como se não tivesse lhe sacado as artimanhas ainda agora há pouco. O tempo que aguardasse a dançarina.
Diz que depois desse dia ninguém viu a tal dançarina. Acham que ela pode ter fugido pro interior.
O que ninguém diz, porque não viu, foi o que aconteceu de verdade.
Quando o tempo veio, desavisado, passando só por passar, dançarina deu o bote. Agarrou-lhe a cauda e pronto, não largou mais. Aonde tempo vai dançarina vai atrás. Ele passa por todo mundo nessa terra, menos pela dançarina, que é mulher diferente.

5 comentários:

pit disse...

antes da ana rita dilacerar vorazmente a minha puerilidade, digo que acho válida.
de vez em quando.

Tay disse...

e depois me perguntas o porquê de eu querer aprender só de você.
acho que quero mais.
quero apreender.

leveza..
é sempre válido.

(saudades.)

ana rita disse...

Como prometido, s� publico se comento decentemente, dentro das minha poucas capacidades, os textos alheios.
Pois bem dona Priscila, o pueril � sempre v�lido, �s vezes variando de dosagem...
Adorei dan�arina, mulher diferente,sem artigo na frente. Adorei que tenha citado Lautrec. Nome lindamente sonoro (n�o adorei s� por isso, que fique bem claro!)
Do que acompanho dos seus textos diria que esse livrou-se mais dos infortuitos autobiogr�ficos. Encantador.

ana rita disse...

Gosto muito desse texto que vez ou outra volto aqui. É como se eu quisesse ser que nem dançarina e puxar o tempo pelo rabo. É desses textos que merecem recordações para vida toda.

ana rita disse...
Este comentário foi removido pelo autor.