quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Pietrot

A cidade estava em festa. Os fogos de artifício, o som alegre da banda e os numerosos carros coloridos transformaram a noite da chegada do Gran Circo Imperial num verdadeiro espetáculo. Os pernas-de-pau fingiam cair sobre os palhaços e estes, de troco, jogavam-lhes baldes de água, arrancando gargalhadas das crianças. Os presentes ficaram horrorizados ao verem Mathias, o negro de pêlos fortes, puxando um dos carros com as pontas do bigode. Oito homens equilibravam-se sobre uma moto e, atrás deles, seguia o globo da morte, com o motoqueiro fantasma. A belíssima acrobata exibia um largo sorriso e fazia performances com os braços no alto do carro principal.
Os moradores há muito esperavam aquele momento. As moças estavam lindas, com seus melhores vestidos e os rapazes, elegantes, ostentavam seus ternos usados apenas em ocasiões especiais. As mães levaram seus filhos para o evento e nem se importaram com seus garotos acordados ainda tarde da noite. O prefeito, ao ser comunicado dias antes sobre a visita, determinou que o cerimonial realizasse uma recepção similar às oferecidas aos Chefes de Estado. Afinal, o grande circo traria uma nova e feliz energia àquela pacata cidade.
Energia extremamente escassa em Pietro, de 20 anos, impedido de desfrutar a beleza da vida. Era triste e solitário, não tinha amigos, não abria um sorriso sequer. Para ele, a tristeza nunca tinha fim e, por isso, desejava, mais do que qualquer um daquele lugar, a vinda do circo. Nutria, com sua chegada, a esperança de se livrar daquela solidão. Era rejeitado por todos da cidade por ser fruto da relação extraconjugal do coronel Teotônio com a finada Jussara, a qual, em vida, fora considerada a mais famosa cafetina da região.
Pietro não conseguira se preparar como os outros para receber os artistas do Gran Circo. Não fora bem atendido pelos alfaiates da cidade. Usou no evento trajes modestos. Antes da chegada do circo, mesmo com a avenida principal da cidade tomada pela multidão, sentia-se num deserto, prestes a vislumbrar um oásis. Para ele, o momento mais sublime daquela noite foi quando viu Angelina, a acrobata. Era uma mulher perfeita. Foi amor à primeira vista.
Enquanto o apresentador anunciava, no megafone, os dias em que o circo faria suas apresentações, Pietro decidiu subir no carro em que a acrobata estava. Ofereceu-lhe as rosas apanhadas no jardim e, olhando nos seus olhos, declarou seu amor. Estava decido a conquistar a moça. Ela, mantendo o sorriso, cheirou as flores e pediu que ele saísse do carro. A atitude dela provocou um sorriso sincero que o rapaz há tempos não dava.
Depois da homenagem, os artistas se recolheram a seus aposentos e os cidadãos foram para suas casas. Ele continuou no local. Não a tirava do pensamento. Andava em direção ao hotel em que ela se hospedara, quando, surpreso, viu as rosas na lixeira do prédio. Dirigiu o olhar para a janela de seu quarto, e viu, projetada na cortina, a silhueta de Angelina abraçada à de outro homem.
Uma lágrima surgiu de seu olho esquerdo e lhe marcou o rosto.

* * *

No centro do picadeiro, após o término do espetáculo e a saída do feliz público, apenas a luz central estava acesa. Um triste Pierrot continuava a ser ovacionado pelo silêncio. No lugar do sorriso, a única lágrima. Pietro estava fadado a ser o mestre-sala da solidão para sempre.

5 comentários:

Tay disse...

Muito bem vindo!

é um prazer te ler.

L. L. disse...

Acrobatas são mesmo muito perigosas. Mais perigosos ainda são os falsos moralistas.

pit disse...

cadê o comentário que estava aqui?
tinha um comentário 2 aqui, não?

fabi, bom te ver, aida que virtualmente, rapaz.

yuri disse...

HAHA. Diga não aos comentários errantes! hahaha.
Bem vindo aê.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.