domingo, 29 de junho de 2008

Escova com capinha

Existe um momento na vida em que você se pergunta:

-Geléia de damasco ou de morango?

Pior. Existe o momento em que você depara com um amontoado confuso e perturbardor de escovas de dentes, de todas as formas, tamanhos, cores, funções e denominações que a imaginação humana, num lapso de insanidade qualquer, possa produzir. Era neste momento que se encontrava Bruno. Não bastasse toda a angústia da dúvida anterior na prateleira das geléias, além do doloroso processo de se decidir quanto ao seu tipo de desodorante favorito em menos de dois minutos e cuarenta e sete segundos, frente à quantidade infinita de misturas químicas prometedoras de impedir o cecê em qualquer curcunstância, lá estava ele novamente: aturdido, desolado, a encarar todas aquelas embalagens de plástico reluzente que, juntas, eram algo monstruoso e intimidador.
Os batimentos cardíacos aceleravam, a respiração tornava-se ofegante, o suor escorria sobre a face, tinha medo, tinha sede, tinha vontade de fazer o número dois, tinha uma consulta às treze e trinta. Oh, meu deus! A consulta às treze e trinta! Se antes lhe parecia difícil chegar a tempo, agora tinha a convicção de ser, simplesmente, impossível.
Entretanto, não havia escolha. Era algo que tinha de fazer. Que espécie de homem não sabe qual escova de dentes lhe agrada? Homens irrespeitáveis, certamente. Homens que, aos trinta e cinco, ainda moram com a mãe, gargarejam, dormem de meias, não ficam bêbados nem pisam nas divisórias da calçada. Mas, este não é Bruno, não pode ser. Pelo menos, de uma coisa ele tinha certeza: queria uma escova de dentes com capinha. Depois de ter visto no Discovery a quantidade inconcebível de coliformes fecais que, diverdidamente, surfam no ar cada vez que damos uma inocente descarga, passou a usar apenas escovas de dentes com capinha.
O tempo urge, seu corpo treme, desesperado, olha o relógio: seis minutos para a consulta. Sem outra alternativa, atira-se sobre a escova (com capinha) mais próxima e se dirige inexorável ao caixa. Por sorte, encontra um sem fila.

-Porra, mas esse veado é lerdo! - Pensa.

De fato, o caixa era veado, coisa que ele percebeu pelo excesso de gel no cabelo cuidadosamente arrepiado, associado ao jeito de ele dizer:

-São dezesseis e cinqüenta. Visa ou Mastercard? Crédito ou débito?

-Crédito, crédito...Dá pra parcelar? Ah, é claro que não, esquece...

Aflito, chega ao consultório. A atendente levanta as sobrancelhas ao vê-lo (estava na cara que ele havia acabado de empurrar uma criancinha ao sair do elevador. Mesmo assim, tentou disfarçar. Cínico...)

-Boa tarde, senhor Bruno! O Dr. Rui já está esperando o senhor, pode entrar se qui...

-Tá. - Disse, ainda ofegante, apressando-se em direção à porta.

Não quis perder tempo com pseudopapinhos introdutórios, só cumprimentou e foi direto pro divã. Mal esperou o Dr. Rui sentar-se perto com a caneta e o caderninho, como de praxe, e já começou:

-Sabe, doutor, esse negócio de escova de dente...

4 comentários:

ana rita disse...

Sabe, doutor, esse negócio de escova de dentes...

Adorei, nossa, gostei muitíssimo. Lara, ficou muito bom mesmo!

Olha, só uma observação no terceiro parágrafo. Tem muita frase longa cheia de orações intercaladas enormes que aao invés de tirar o fôlego, quase tiram a paciência.

Adorei o enredo, só tiraria a palavra divã do penúltimo parágrafo para guardar a revelação realmente para última frase.

Tay disse...

iuahiuahiauh

amei!!
totalmente influenciada pelo meu curso.. mas você acertou. Está ótimo!

Anônimo disse...

pela décima quinta vez:

a lara é ou não é uma graça?

L. L. disse...

fico muito feliz que vcs tenham gostado! apesar das frases longas. isso é vício antigo, ana rita, no 3º ano era uma tristeza, pra fazer aquelas redações estilo fast-food, digo, vestibular, os professores odiavam =p