segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Supetão

Aquela hora da tarde os postes acendiam, mas ainda estava claro. As pessoas não se cumprimentavam porque não era nem noite, nem dia. Ela sentada na ponta da cadeira tamborilava os dedos no balcão.
Passava na rua um carro de som anunciando a promoção do kilo de carne. Uma senhora avaliava a gravidade das tragédias do jornal. O vento desperdiçava sedimentos no rosto das pessoas.
As unhas com esmalte gasto faziam um telecoteco impaciente.
Então era para isso que criara garras? Para ritmar o compasso dos dedos?
Um desatino invadiu a espinha dela e
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RASG
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Com as unhas ela tomou o peito de assalto e abriu uma enorme fenda deixando o coração pulsando do lado de fora.
As pessoas que passavam olhavam com asco. Enquanto isso, a menina cutucava com os dedos melados de sangue a aorta exposta.
Tinha na cara um sorriso, entre o doentio e o melancólico.

2 comentários:

Flávio A disse...

muito honesto e cirúrgico o seu texto. tim burton teria feito um filme a partir disso.

maria ruela disse...

penso que aí pode respirar em paz