sábado, 1 de agosto de 2009

Cuspindo na Guerra de Classes

-Senta!
A voz era do homem com um taco de beisebol. O casal que estava à frente dele obedeceu, mesmo tendo sido o rapaz de blusa sem estampa e barba por fazer que tenha mencionado levantar. O homem que estava em pé se escorava no taco de forma inocente, juvenil. No entanto, olhava para os dois da mesma forma que somos invadidos pelas câmeras de segurança de um prédio e que filmam preto e branco e que não se mexem e que, ainda sim, estão nos vendo. E isso gelou por quase inteiro o resto de interior da garota.

Ela não estava indecente. Se eu estivesse de bom-humor diria até que ela olharia para mim negando o sexo anal e oferecendo outras nuvens com aquele sorriso que nós só encontramos nelas. E nela principalmente. Àquela altura, eu já estava contaminado pelo homem que numa tacada de azar poderia, por causa do primeiro impacto, não ter força suficiente para continuar com a segunda cabeça/corpo. E eu pensava nisso. E hesitava. Estranhamente, não queria que alguma coisa de grave acontecesse na frente dela. Algo como um instinto de preservação matrimonial e social me encurralava a pensar alternativas que não fosse o destroçamento de cerebelos com a ponta do pé após o arremessamento de indies na parede.
Ela berrou bem alto, com aquele tom de voz que só é possível quando lágrimas estão envoltas à boca e - aberta - faz com que os pingos fiquem no lábio superior como gelo naquelas reportagens em cavernas do Globo Repórter.
- O que você quer? O que você quer?
Eu admitia que ela falasse. Admitiria até mesmo que ela admitisse alguma coisa e eu não faria eventualmente nada.
- Olha, cara, a gente não fe
Foi uma paulada seca. Ele voltou à cama em que estava sentado - e sentado. Sentado porque não podia mais deitar. A paulada não causou um estrago sonoro. No peito se mata muitas coisas porque ali é ponto surdo. Ele balbuciou respirar mas parecia que o subconsciente dele pedia clemência para que aquele torpedo fosse fatal e não houvesse chance de mais um. Ela não parou de falar. E isso eu admirava.

Veja bem: antes do taco, das pauladas e do sexo anal, eu não aceitaria ter me visto em uma bola de cristal como sendo esta a minha figura no futuro. Um tanto paternal, é verdade, mas com um taco de beisebol na mão. Não aceitaria porque, vejam vocês, eu era do tipo de homem que aceitaria ser traído numa boa. Eu apenas diria um tchau e evitaria qualquer contato futuro como um esbarrão na rua. O grande mérito nesse tipo de pensamento é que você passa a evitar muitos constrangimentos. Daqueles em que se você tem algum tipo de orgulho, não te permitem acreditar em voltar e dizer Sim, gente, meus perdões. Estava de cabeça quente, não é mesmo, mas vamos que vamos e toquem o barco e outros desses chavões que nós dizemos com o braço estendido e a mão em forma de folha ao vento. Mas, desculpe o tom professoral, algumas coisas acabam com todo aquele Marx, com Freud, com Nietzsche e até mesmo com Schopenhauer. Eu estava numa fase em que já considerava o sexo anal algum antinatural. Até mesmo algo violento.
Algo em que as mulheres submissas somente é que tinham permissão para tal, pra sofrerem mesmo, pois as submissas que se fodessem e eu falava isso com a boca cheia na universidade, o que de certa forma angariava os sorrisos dos meus colegas
e um dia, fatalmente, o dela. E, tava na cara, ela queria sexo anal. E se oferecia com propriedade, daquelas que cospem mesmo no pau antes de estocarem no cu e antes de fingirem estar sentando devagar, simular o início de porra alguma que vai ser devagar. Mas já diz o ditado, que só há em minha cabeça, depois do sexo anal não vem bonança ou mesmo a boceta. O sexo anal é o fim. É o fim do retrato de Marx no seu marcador de livro. É o fim de você começar a falar de Freud no meio da reunião de família. Você deixa de ser ateu. Você passa a ter medo de diabo e nem quer mais carnaval. A cada dia que se passa você só quer aquela bunda. E não pode ser outra. O cheiro em que vocês deixam o ambiente passa a ser sagrado e, seculares, são todos os outros gostos. Você não agüenta. A teoria nunca mais estará na prática. E isso
é uma merda.
Os dois continuavam a não falar nada. Um por falta de voz. Ela por não saber qual sorriso me dar para me dar.

Eu pensei em abrir o jogo. É. Resolver isso logo, explicar porque eu mudei tanto e porque eu estava com aquele taco na mão. Dizer-lhes que eles morreriam, mas iam morrer sabendo, nada de violência gratuita de filme. Então, comecei: eu já fui contra até a monogamia, base de uma sociedade e
- PRA PUTA QUE PARIU
Com um pulo, acertei a primeira e foi na cara do indie. A força calculada me permitiu continuar o giro e atingi-la.
O olho dela estava aberto. Eu pensei que o meu sempre estivesse. Mas há uma diferença entre estar e deixar cisco cair. Eu não deixava. Ela me deixou. Soquei-os com o taco como se fossem alho em um grande pilão e na cama eram dois em um casal culpado ou qualquer outra alegoria que nos permita mitificar o sexo anal.

4 comentários:

ana rita disse...

Li "Cabelos lisos com Seda" achei um texto muito pouco yuri. Agora esse, é seu, mas retomo, há um excesso de adjetivos e descrições nos dois primeiros parágrafos que quase fazem a gente desistir.

Letícia (@lelesarna) disse...

Sou nova aqui neste blog. É comum que aqui na internet role um tipo de academicismo estranho e nerd, que faz qualquer Augusto dos Anjos se borrar no paletó de madeira. Mas aqui não. Não só natural, é tudo beem muito bem escrito. Parabéns.

Flávio A disse...

olha, achei TENSO.

Helder Dutra disse...

Alma perdida.
Tantas risadas já demos das mesmas piadas e situações sem nem mesmo termos um aperto de mão trocado nenhuma vez nos últimos 20 anos.