sábado, 1 de dezembro de 2007

Todos os sabores

O menino sentou na calçada segurando a bola. A face estava vermelha assim como os joelhos. Correra tanto que podia ser ciclista. Caíra tanto que podia virar palhaço. O menino e sua bola em farrapos. Tantos sonhos na cabeça, umas idéias para ganhar no bafo e lembrança alguma da lição de casa.

Tinha uma bala no bolso do menino. Uma bala de tutti-frutti. A professora disse que tutti-frutti quer dizer todas as frutas. Como cabia tanto sabor numa balinha só. A mãe dissera que era tudo artificial. O menino achou tão bonito artificial que ele queria ser artificial também e ter tudo quanto era sabor. Como era bom ter tanta fruta na boca!

A unha do dedão do pé pedia piedade e o menino não teve. Apoiou a perna da unha moribunda na outra e fincou os dentes para arrancar de uma vez só. Arrancou. E engoliu o choro, não podia mais chorar. O pé ficou vermelho. Um sangue melado de tudo quanto é poeira. O menino, nem aí, levantou para comer vento.

Há uma idade na vida em que nada nos sacia, nem o vento, nem o álbum cheio de figurinhas. Só uma coisa encheu o menino: todo aquele concreto de onde morava. Uma quadra, quadrada, lisa e só com umas mangueiras de galho cortado. Um lugarzinho cheio de homens com uma corda amarrada no pescoço. Muito sem-graça. Como é que se treina para ser super-herói num lugar desses?

O menino queria era ir para a Água Mineral. Muita água, peixinho, macaco e um bando de árvores. Piscina de água corrente, fazendo barulhinho nas pedras. E a promessa de ter uma onça escondida em algum lugar. Ia lá com o avô, mas aí o avô inventou de um dia ir pro céu e esqueceu o caminho de volta. Desde então era isso que o menino queria, encontrar seu mundo e não voltar. Se ele tinha medo? Não, ele tinha um plano e uma canção para espantar bicho papão.

Ô menino, você não cansa de jogar bola? Vai estudar, menino. Menino! MENINO! Mas o menino já estava longe. Correndo, correndo. O pé sujo e a calçada áspera. Correndo, correndo. Qualquer coisa mais gostosa que tutti-frutti lhe roçava os cabelos. Correndo, correndo. A bola suja manchando a camisa nova. Correndo. Correndo, até tropeçar numa pedra.

E o menino gritou um palavrão. Rapidamente levou as mãos à boca. De onde saíra aquilo? Lembrava o pai, o avô, os jogadores de futebol. O menino parou e deixou a bola de lado um instante. Então, inchou o peito, travou a dor no meio da garganta e continuou a correr. Ele se tornara um homem.

2 comentários:

Hanne Mendes disse...

Lindas as imagens contidas no seu texto.
[É seu texto, né?]

Abraços.

ana rita disse...

meu? que nada, é um sacode é de asas q encontro no asfalto. Eu só amarrei tudo no saco, mas se quiser pode abrir