sábado, 26 de janeiro de 2008

Dói mais



Quatro menos cinco, vem um, fica quatro, menos quatro, nada. Calma, é algo por aí. Faz um frio desgraçado pela manhã. Porque raios é que sempre faz frio de manhã? Neblina, essa fumacinha emperrando o céu. Não tem função nenhuma. Gosto de dias sem essa branqueada toda no ar. Ai, saudade, ai saudade. Tem dias que o peito aperta que dói mais que caco de vidro no pé. Não há salvação em dias neblinantes. Dependendo do caso, eu diria que não a salvação alguma. Viaduto é ponte de brita, carro é peixe e gente é minhoca. Se eu tivesse mais dente, ria. Não falta dente, falta é sangue. Sustança no sangue. Já contei os dias para volta, contei os dias pros sonhos, depois do primeiro tapa você esqueça dos números. Nunca vim de roça, vim de família pequena, cidade pequena. Parece que quanto mais pequeno se é mais o mundo é grande. Grande que nem monstro. Quando cheguei um homem disse: arranha-céu! E eu entendi o recado. Tudo aqui é um pecado, uma mão grande azunhando o céu. Diacho! Mas se eu alcançasse, eu também arranhava. Tudo sempre começa bem, emprego, pensão na Penha, e calça feita de linho. Incompetente! Besta! Ô, lerdeza! Daí pra baixo que vai. Daí pra virar minhoca solta debaixo do viaduto. As mulheres nas placa de propaganda tem um brilho no olho, antes eu queria ter mulher com jeito igual. Só que um dia, um dia eu botei reparo e vi que o brilho vinha de um olho vazio, pintado em cima riscado em baixo. Não havia roupa, não havia sapato, nem curva do corpo que disfarçasse o vazio que eu vi naquela hora. Orélia, ai Orélia, só de olhar teu olhar magneto vi logo o meu fim... Tem um tempo que a gente acredita, depois que esse tempo passa ninguém segura a mão da gente. A falta de arame desarruma o espantalho. Nunca fiz espantalho na vida, só vi em desenho na TV, na pensão tinha TV. Eles falam tanta coisa junto que o mundo parece que acontece de uma vez só. Aí hoje falaram do aniversário da cidade, como se eu nunca tivesse comido bolo de metro, como se eu nunca tivesse sonhado em voar no meio da praça da Sé. Lá é cheio de pombo, mais gente que pombo. Um barulho! E olha que de som eu entendo. Sempre fui afinado, tocava antes com viola de lata de azeite, de corda de arame. Você não compra nada de verdade só com moeda. Ganhei um cavaco de um passante, cara simpático, tava com umas cordas quebradas. Toquei um bocado em boteco em troca de cerveja. Pinga, às vezes. Mulher facilitava com corda. Dá, a gente dá sempre, em muito canto escuro, em cama de mola. Entende o que é para um cidadão isso tudo. Tem hora que amontoa, aí eu fui rezar. 454. Tempo grande. Não consigo nem pensar se existia alguma coisa antes de tanto tempo. Tira 45 da história, 407 anos. 409. Sim, que seja, 409 anos antes de mim já existia um bocado disso. Pensei em Deus, mas o coitado devia está sangrando com tantos arranhas-céus. Concreto dói mais que unha, já fui pedreiro uma época dessas. Eu tinha o cavaquinho e minha faca de laranja. Deus não gosta dessas coisas, mas homem gosta. Mata eu, São Paulo, eu não quero morrer de fome. Desentalei de uma vez da garganta. O povo achou heresia, furei dois pra vê se alguém entendia o que eu tava querendo. Saiu gente pra tudo quanto é lado, veio polícia e o diabo a quatro, como sempre. Muito obrigado, senhor... Bendito. Bendito.

Pronto, publica aí:

Homem com faca tumultua missa na Sé e deixa dois feridos

9 comentários:

Anônimo disse...

me amarrei, ana!

Tay disse...

putz.


gostei mesmo desse.

ana rita disse...

Não sei, tô cá pensando se não ficaram meio soltas demais as frases. Tava pensando em refazer...

Anônimo disse...

eu tenho uma queda drástica por pensamentos menos diretos ao leitor. mas, enfim, a ana realizou bem essa etapa daqui.

pit disse...

acho que refazer texto que já foi é meio, assim, já era.

sacou?

pô ritz, eu não refaria não, gostei assim. mas se não te apraz, insiste no estilo, mas com novos textos.

a audiência agradece.

ana rita disse...

eita que essa audiência me causa problema. Vou seguer os conselhos da senhorita Pit. Ah! sim, eu botei aí umas músicas soltas para começar a trabalhar a tal questão dos links e o diacho da linguagem da internet. Que acharam? Ficou cansativo, besta, indifernte?

Anônimo disse...

há controversias na minha cabeça.
acho que vou guardá-las pra mim.

ana rita disse...

guarda não, que o blog é bom controvertido

Anônimo disse...

tem algumas licitações do texto que, não sei... devemos, sim, quebrar.

o problema é achar, se situar. mas difícil não é.