Sempre tem esses dias em que a gente resolve olhar a rua. Carros, semáforos, placas e...a rua,
essa palavra tão vertical que manda a gente ficar de pé. Ela exige pouco contato, quando muito pé ou roda. Tudo passando rapidinho para não roçar muito o pudor. "Coisa de milico", conspiraria meu avô quase comunista.
Rua faz armadilha pras gentes nem se atreverem. Fica quente de fritar o ovo e encharcada de dar doença. Rua é vilã de história de carochinha ordenando o passo, firmando o chão pra esfolar joelho de menino atrevido. Rua grita o jeito que tem que ser e fica impassiva, a malvada.
Só que naquela terça cinzenta eu me recusei. Sinal ficar vermelho e eu falei "Sinto muito, dona". Finquei a bunda no meio da rua. Buzinaram e o issíos doeram no asfalto. E eu deitei molhando os dedos na faixa de ultrapassagem. Gritaram:"Louca, suícida, filha da puta".
Eu não respirava, senhores. Eu não ouvia o zumbido dos carros. Tinha mudado a rua! Arrancado as botas, o uniforme e a vara de cipó. Tava lá ela, desnudada com minha horizontalidade estacionária. "Vamos, o que você vai fazer agora, hein?"A boca procurou o nome... Extâse? Epifania? Sincope semântica!
Mas a tarde era mesmo cinza. Ninguém reparou na erupção da palavra. E eu descobri que o gozo de mudar o mundo dura só o tempo de não perder o ônibus.
segunda-feira, 24 de março de 2008
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6 comentários:
eu gostei, rita.
Até que enfim, alguém falou um palavrão além de mim, aqui no caco.
desculpa, eu fico envergonhada. além disso, não sou muito fluente em palavrões.
não em textos
palavr�o d� nisso, o povo s� presta aten�o nele
"E eu descobri que o gozo de mudar o mundo dura só o tempo de não perder o ônibus."
quero essa frase na parede do meu quarto (sem desmerecer o resto do texto, que ficou muito bom).
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