segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Embrulho

Eu sigo com Tadeu pelas ruas. Olho bem para aquela cara dele de paspalho. "Vamos no shopping, meu amor?" Não, não acho que ele seja um problema só porque nunca aprendeu a regência do verbo ir, "acontece nas melhores famílias, meu bem". Aí ele sempre faz aquele "hãn" que o torna mais patético ainda. “Vamos ao shopping”. Os dois no carro vermelho que ele comprou por conta de uma música de jovem guarda. Muito investimento para acabar comigo.

Me desculpe, Vínicius, mas o fundamental é a desilusão. O medo da solidão nos faz levantar a saia e ter espasmos muito mais rápido. Tadeu é burro, mas não besta. Ele sabe muito bem porque me escolheu nessa vida. Ele sabe que feias como eu se entregam. Nós não temos esperança nenhuma. Fazemo-nos de banquete na primeira mesa que aparece. “Chegamos, meu bem”.

O chão liso, a decoração de natal. Tadeu era uma meta de estabilidade. Nem feio, nem bonito, ele lavava bem as unhas e fritava ovo aos domingos. Tadeu bastava como argumento. Eu reclamava da vida e ele virava para as moças do shopping de cara amarrada: "Tudo precisando de homem". Eu sorria.

Entramos em uma loja de departamento. Fomos ver as araras encabidadas. Achava graça ele passar na sessão de lingeries e sussurar que queria me ver vestida em algum daqueles trambolhos vermelhos rendados. Aí, ele ainda terminava dando um tapinha na minha bunda. "Grotesco". Era assim que eu queria sussurrar no ouvido dele, mas temo que ele não entenderia.

Contei uma vez para Tadeu que tinha medo de morrer afogada. "Eu te salvo, meu bem. Eu sou terrível". Ele merecia mesmo uma morte bem besta, como aquela irmã da velha agiota de Crime e castigo. O assassino, ele teria os mesmos olhos azuis, a mesma loucura geniosa e adoraria comer os meus bolinhos de chuva na Sibéria.

(suspiros)

5 comentários:

Lili disse...

ótimo
euri

Lili disse...

e cheio de frases clássicas tipo (a minha favorita): O medo da solidão nos faz levantar a saia e ter espasmos muito mais rápido.

ahaha, jessus

Flávio A disse...

clap clap clap
muito bom!!!!!
agora vc já pode escrever algo parecido com a isustentável leveza do ser! achei mto parecido.

ana rita disse...

Eu só queria entender porque algumas aspas inexplicavelmente viram barrinhas escuras

L. L. disse...

mas as barrinhas escuras ficaram um charme...
ana rita, que texto maravilhoso! gostei demais. concordo com o flávio, o jeito de narrar lembra "a insustentável leveza do ser" mesmo, que é um livro apaixonante, né.